União entre os ateus é possível ?

Uma vez alguém, que eu não vou lembrar quem foi, disse que querer juntar ateus é como colocar gatos num balaio: não vai dar certo nunca.

O diagnóstico foi preciso e a causa é conhecida: ateus são questionadores por natureza (mesmo que nem todos sejam céticos) e por isso não formam uma unidade. Há ateus de todos os jeitos, formas, tamanhos e convicções. Há ateus comunistas e ateus que votaram na extrema-direita, há ateus antirreligiosos que gostam de zombar dos teístas e há ateus que reconhecem que religiões existem e, provavelmente, vão existir para sempre, há ateus militantes e ateus que ainda vivem dentro do armário.

Uma união entre todos os ateus em volta de uma fogueira, metafórica ou não, é muito difícil. A menos que um certo governo de extrema-direita continue sua escalada rumo ao fascismo, mas aí a gente estaria do lado de dentro da fogueira.

Do ponto de vista institucional, há várias associações ateias pelo mundo. Aqui no Brasil, as duas maiores e mais conhecidas são a ATEA e a Liga Humanista Secular. A primeira é a mais polêmica, já que tem o mesmo presidente desde a fundação, em 2008, e patrocinou ações judiciais que tiveram grande destaque na mídia, como quando processou o apresentador sensacionalista Datena mais de uma vez.

A atuação jurídica da ATEA em prol da defesa do estado laico até aqui foi elogiável, mas pairam dúvidas se a associação irá se insurgir contra os repetidos ataques ao laicismo do estado brasileiro pelo governo de extrema-direita que aí está, já que o próprio presidente da ATEA votou nele. Até o momento que escrevo esse artigo, a atuação jurídica da ATEA contra o governo Bolsonaro tem sido tímida, para usar uma palavra bem gentil.

Mas, afinal, por que seria importante os ateus se unirem ? Não poderíamos ficar “cada um no seu quadrado” ?

A meu ver, por dois motivos. Primeiro, e mais importante, é que todo ateu deveria também militar pelo estado laico. Porque só o estado laico nos protege. Quando existe uma teocracia fatalmente acontecem perseguições religiosas. A idade média está aí para provar isso, mas não se engane, mesmo o protestantismo foi bem fanático. Procure saber sobre a vida de Zuínglio, por exemplo.

Então, não importa se você é de direita ou de esquerda, se está dentro ou fora do armário ateísta ou se come feijão por cima do arroz ou vice-versa. Você, como ateu, deveria se posicionar a favor do estado laico. É uma questão de sobrevivência.

O segundo ponto é que nós, homo sapiens sapiens, somos seres sociais e gregários. É absolutamente normal querer fazer parte de um grupo. As dezenas de páginas e grupos ateus no Facebook não me deixam mentir. Nós sentimos vontade de estarmos com outros iguais a nós.

Mas então, o que você pode fazer ? Criar mais um grupo no Whatsapp (usem o Telegram, pelo amor de Darwin) ou uma página no Facebook ? Não, já estamos saturados disso. O que eu gostaria de ver seriam grupos locais de ateus.

Sim, grupos por cidade, em cidades menores, ou por bairro ou região em grandes cidades. Grupos menores são mais fáceis de lidar. Menos gente, menos complicações burocráticas e legais, a convivência torna mais fácil a criação de vínculos.

Com grupos locais também fica mais fácil identificar as prioridades. A prefeitura da sua cidade quer doar um terreno para a construção de uma igreja evangélica ? Advogado neles ! Outras ações como, por exemplo, organizar uma palestra com um biólogo, ou alguém da área, para explicar a teoria da evolução também ficam mais fáceis e nível local e podem trazer excelentes resultados.

E tem mais: grupos menores podem juntar pessoas que pensam mais ou menos igual. É perfeitamente possível ter o Grupo de Ateus Anarcocapitalistas do Tatuapé e o Grupo de Ateus Comunistas de Santana. É muito mais produtivo e proveitoso que haja essa segmentação ao invés de tentar juntar pessoas com ideias incompatíveis no mesmo grupo gigante.

Num mundo ideal, a própria ATEA fomentaria a criação de grupos locais, dando suporte jurídico para o estabelecimento da associação e estabelecendo um selo “afiliado à ATEA” por exemplo. Mas duvido que o ego do presidente da nossa associação nacional permita que isso aconteça.

Claro que participar de um grupo desse tipo vai te custar tempo e até algum dinheiro. Você pode preferir ser um “lobo solitário” e não se juntar a outros ateus. É um ponto de vista válido ! Como eu não canso de repetir, ateus não tem que pensar todos iguais. Quem quer formar um rebanho são os teístas, e não nós.

Obviamente, eu não sou um “iluminado” que percebeu sozinho que grupos locais são uma boa ideia. Já existem grupos assim no Brasil e alguns deles fazem um bom trabalho nas redes sociais. Gostaria de ver a expertise desses grupos se espalhar e novas associações sendo criadas pelo Brasil. Nos daria uma visibilidade inédita e força para lutarmos pelo estado laico.

Quem sabe um dia, né ?