Um relacionamento amoroso com um(a) teísta pode dar certo?

Não importa em qual rede social, do Facebook ao Twitter, do Instagram aos grupos de Whatsapp, sempre haverá um ateu com dúvidas se o seu relacionamento com um(a) teísta vai dar certo ou não. É tão certo quanto o Sol aparecer ao leste amanhã cedo. Você verá bons exemplos dos dois extremos: há relatos de ateus e teístas que deram super certo até histórias de amargas tentativas fracassadas que terminaram em lágrimas, separação e disputas pela guardas dos filhos, humanos ou não.

Eu não quero ser pessimista mas, na minha visão, um relacionamento amoroso ateu/teísta que dá certo é uma exceção. A regra é não funcionar. Porque isso acontece ? Porque um relacionamento desse tipo enfrenta uma série de barreiras, e nem todos estão preparados para superá-las.

A primeira barreira a ser enfrentada para um relacionamento ateu/teísta começar são os estereótipos. Os teístas acham que nós ateus somos frios, insensíveis, desalmados, cruéis. Você se relacionaria com alguém assim ? Então, nem eles. É injusto ? É. Mas os estereótipos são poderosos, e vão nos acompanhar por toda a vida.

Como lidar com essas pessoas ? Com a arma mais poderosa de todas: o exemplo. Nada quebra mais os estereótipos que os teístas tem sobre nós do que você ser...você mesmo ! Assim as pessoas vão perceber que o ateísmo não transforma ninguém em um monstro.

A segunda barreira é que muitas religiões não gostam do “julgo desigual” que é quando o casal é formado por pessoas de religiões diferentes. Mesmo o relacionamento de pessoas de igrejas diferentes, dentro de uma mesma religião, é desaconselhado por alguns líderes religiosos. Por isso que você não vê muitos casais mistos por aí, por exemplo, um católico e uma neopentecostal. Esse mesmo raciocínio, é claro, se aplica a nós ateus. A maior parte dos teístas prefere se relacionar com pessoas que pensam igual a elas, e isso é normal.

Essas duas barreiras já tem que ser superadas antes mesmo que o relacionamento fique mais sério, e para superá-las e “quebrar o gelo” no início , alguns ateus adotam estratégias ruins. Dizem que “não tem religião” ou até fingem serem teístas, com direito até a frequentar cultos religiosos. Na maior parte das vezes, porém, essas estratégias não dão certo a longo prazo. Uma hora a verdade aparece, e não é nada bonito quando isso acontece.

A meu ver, começar um relacionamento já mentindo para a pessoa, dizendo que você é teísta quando na verdade é ateu, é um péssimo jeito de começar. Meu conselho para você nesse caso é: seja honesto desde o início. Também não caia na saída fácil de dizer que “não tem religião”. Para os teístas, isso significa o mesmo que dizer: “eu acredito em deus, mas não frequento nenhuma igreja”. As tentativas de levar você para a religião só vão se intensificar se você dizer isso. Então deixe tudo claro, sempre. Isso vai afastar algumas pessoas que nem se darão a chance de conhecê-lo melhor, e ver que você é um sujeito normal e não um satanista desalmado. Mais uma vez, é injusto. Mas ninguém disse que a vida seria justa.

Ok, digamos que você quebrou as duas primeiras barreiras e iniciou um relacionamento com um(a) teísta. Tudo certo ? Não. Há outras barreiras.

A mais poderosas delas são a família e os amigos. Como todo aquele que teve um namoro mais sério sabe, você não namora só a pessoa, tem a família toda dela também. E, no caso dos teístas, ainda há o seu círculo social, formado majoritariamente por pessoas da mesma religião.

Ou seja, o seu parceiro pode estar “de boas” com o seu ateísmo, mas ele é cercado de pessoas que podem não estar: pais, parentes, amigos, padres, pastores, gurus. Eles farão pressão pela sua conversão, pressionarão o seu parceiro para deixar você. E você vai ter que lidar com isso.

Um ponto importante nesse caso é o respeito. Para os teístas, a sua religião é muito importante. Ela é a verdade, inquestionável. Ela a conforta, ela a acolhe. A pessoa está imersa nesse mundo. Então respeite a fé dessas pessoas. Não faça piadinhas, não deboche, não minimize, não fique falando em “amigo imaginário”. Tenha respeito, e exija respeito também. Deixe claro que você não quer tentativas agressivas de conversão, ou convites para eventos tipo retiros, ou workshops. O respeito deve ser mútuo.

Porém, ao meu ver, tudo tem limite. Se o entorno do seu parceiro está tóxico para você, com tentativas agressivas de conversão ou ofensas gratuitas, deixe isso claro para ele. E se a situação não melhorar, talvez seja melhor abandonar o barco. Nenhum relacionamento vale a sua paz de espírito. Sempre haverá outro alguém, por mais que a separação doa no início.

Essa “pressão social” vai piorar, e muito, se você e seu parceiro decidirem fazer algo que eu não recomendo: ter filhos. Entenda uma coisa: seu parceiro teísta sempre tentará levar seus filhos para a religião dele. Sempre. Porque para ele a religião é a verdade suprema, porque ele não quer que seu filho vá para o inferno, porque o líder religioso ou a família dele vão cobrar para que ele o faça. Principalmente, porque seu parceiro acha que, se não levar o próprio filho a acreditar no seu deus, ele terá falhado como teísta.

Isso pode levar o relacionamento amoroso ateu/teísta a um ponto de ruptura irreversível. Como lidar com isso ? Não há solução que se encaixe em todos os casos. A melhor solução mesmo seria ter usado camisinha e evitado a gravidez. Mas uma postura tolerante da sua parte pode ajudar a diminuir a tensão – diminuir, já que acabar ela não irá nunca. Deixe que seu rebento seja batizado, por exemplo. Porém, deixe claro que você irá falar do seu ateísmo para ele assim que a criança tiver idade para compreender isso. Jogue a semente, e espere que ela floresça. Se ela não florescer...cada um é responsável por suas escolhas. Você não se torna um ateu pior se os seus filhos se tornarem teístas.

Como vimos, as barreiras para o relacionamento amoroso com um(a) teísta são muitos. Muitos ateus se cansam de anos de tentativas frustradas e resolvem procurar um parceiro que seja ateu ou, ao menos, agnóstico. Essa é, para mim, a melhor solução, mas não é acessível para todos. Nós ateus somos poucos, e em muitos lugares, principalmente no interior do Brasil, pode ser difícil encontrar outros como nós.

Então, o que fazer ? Continuar tentando. E ter em mente que não será fácil. Não é fácil para ninguém, na verdade, seja ateu ou não. Ser ateu coloca algumas barreiras a mais, mas elas não são intransponíveis. E pode ser que o problema seja você, e não o seu ateísmo. Já pensou nisso ? Que você pode estar jogando no ateísmo a “culpa” de seus relacionamentos não darem certo, quando na verdade são as suas atitudes que desagradam seu parceiro ? Pois é. Pense nisso e, se for preciso, procure ajuda profissional para lidar com a situação.