Todo ateu é cético ?

Um dos esteriótipos mais poderosos sobre os ateus é que todos nós somos céticos radicais, que só acreditam naquilo que pode ser provado através de estudos científicos publicados, de preferência, em revistas científicas renomadas, que despreza as chamadas “ciências humanas” e só acredita no método científico e nas “ciências duras”. Na prática, como qualquer um que já esteve num grupo de ateus nas redes sociais pode comprovar, as coisas não são bem assim.

Nem todo ateu é um cético. Muitos acreditam em coisas que não podem ser comprovadas cientificamente. Há que ache que todo ateu deveria ser cético, e os que não o fazem são somente “ateus de fim de semana”ou “ateus todynho”.

Eu acho essa uma divisão burra. Não há graduações no ateísmo, não existe ateu nível mega-blaster-platinum-plus que não acredita nem na existência dele mesmo. Para muitos, ser ateu não significa ser cético para tudo e ignorar e até desprezar, o que não foi provado cientificamente. Mas ser um ateu totalmente crédulo pode ser um incoerência gigante.

Peguemos como exemplo o budismo. Budismo é a religião queridinha de muitos ateus, por ser, na teoria, uma religião não teísta. Mas no cerne do budismo há a crença na reencarnação. Como explicar que algo imaterial, que não pode ser medido, pesado ou observado e que chamam de “alma” pode migrar de um corpo recém falecido para um feto não nascido e ainda levar as lembranças das suas vidas anteriores se não houver um deus criador por trás desse sistema ?

Você pode ser ateu e gostar da filosofia budista, desprezando a incoerência da reencarnação ? Pode, claro. Nós, ateus, somos livres. Não estamos presos a dogmas. Mas você estará sendo incoerente. Você não liga para isso ? Vá em frente ! Mas não fique bravo quando alguém te apontar essas incoerências.

Outro exemplo: a crença nas pseudociências, ou, para ser mais exato, em coisas para as quais não há comprovação científica. Há ateus que creem em homeopatia, cristais, heiki, poderes psíquicos, espiritismo, astrologia, psicanálise, constelação familiar, coachs “quânticos”, lei da atração, fosfoetalonamina, cloroquina, etc, etc, etc. É errado isso ?

Errado, do ponto de vista mais estrito do ateísmo, não é. Na definição mais pura do ateísmo, ser ateu é não acreditar em deuses, e só. Mas analisemos, por exemplo, a astrologia. A crença que a posição de bolas de rocha a gás bilhões de quilômetros de distância no momento do seu nascimento pode influenciar sua personalidade e suas atitudes mais do que a genética, a criação que você recebeu dos seus pais e as influências que você recebeu durante a vida é, por si só, questionável. Mas pare para pensar: porque simples macacos pelados com polegares opositores e cérebros um pouco maiores como nós teriam acesso a esse conhecimento? Como ele chegou até nós ? Aqueles que o inventaram, a milênios atrás, conseguiram esse conhecimento como ? Porque a astrologia ignorou a existência dos planetas exteriores do sistema solar e isso não muda nada as previsões ?

Ser pelo menos um pouco cético ou, pelo menos, questionador é uma boa postura para um ateu. Mas não significa que os ateus que não são assim são menos ateus. Nós somos livres, não se esqueça disso.